É UM REAL!

Houve um tempo, nos idos de 2001, que a cidade do Recife foi tomada por milhares de kombis, bestas e tropics. Elas disputavam espaço nos pontos de ônibus e tinham um rapazinho pendurado gritando, quase como música, o itinerário e o preço: "É um real".
O que as kombis ofereceram por "um real" que conquistou o usuário? Conforto, agilidade e capilaridade. Conforto de viajar sempre sentado e no ar-condicionado, agilidade de fazer o percurso sem paradas e a capilaridade de levar o usuário até o seu ponto final, a porta de sua casa.
O respeito pelo idoso e pelo doente era natural. Os velhos com dificuldades de locomoção adoravam as bestas - pegava em casa, deixava em casa - sem terminais lotados, sem degraus e bem sentados. O cobrador era um atleta, pulava fora com o veículo ainda em movimento,  ajudava o idoso a embarcar e ser acomodado da melhor forma possível. No desembarque,  pela simples necessidade de rapidez e pela concorrência, desmontava as cadeiras e ajudava o idoso a sair com rapidez e segurança, até o lado de fora, até o velhinho está em segurança na calçada. O cobrador era uma espécie de faz tudo, relações públicas, publicitário, caixa e mestre de cerimônia.
Era um sistema que, em teoria, não podia dar certo economicamente. As tropics e bestas eram carros caros e frágeis, com manutenção elevada. Possuíam sistemas de refrigeração ineficientes e tecnologias de terceira linha. Uma Kombi, bem, nem precisa de comentário, é um projeto de 1938. A quantidade de mão de obra era muitas vezes superior aos ônibus. Uma única Besta poderia ter duas ou três equipes, o que significa emprego para quatro ou até seis pessoas de baixa qualificação, sem contar mecânicos e outros profissionais de manutenção.
Mesmo assim a coisa prosperou rapidamente regada pelo "um real".  Era um negócio seguro, certo. Toda semana abria uma luxuosa loja que vendiam as bestas e tropics com financiamentos curtos, muitas vezes pagas a vista.
Era a falência do modelo de transporte privado urbano baseado em ônibus e no cartório das concessões. As bestas eram pequenas, ágeis, modulares e guiavam-se pela oferta de passageiros, desviando dinamicamente os veículos para onde existia maior demanda. A oferta de transporte público era farta e equilibrada.
A reação dos donos de empresa de ônibus, proprietários de concessões de linhas,  foi imediata e em duas frentes: melhorar a frota para atrair o usuário e pressionar o poder público a fazer valer a lei e os direitos exclusivos.
Para o usuário foi lançado o geladinho, um ônibus com ar-condicionado, renovada a frota, melhorada as cadeiras com estofados mais macios, e outros dengos. Para o poder público foram regadas as campanhas eleitorais com generosas doações secretas.
Deu resultado. O prefeito da cidade, João Paulo do PT, declarou à imprensa que, caso as bestas não fossem totalmente eliminadas, a cidade cairia num caos urbano, que elas eram as principais responsáveis pelos engarrafamentos, que não pagavam impostos ao município, eram foras da lei, bandidos, não existia segurança e viajar numa besta era quase um sentença de morte.
Começou a repressão brutal. Primeiro foi proibido o licenciamento, não funcionou, depois foram perseguidos pela polícia de trânsito e por fim banidos violentamente.
A classe média, que não usava as bestas, aplaudiu pois houve uma pequena melhora no trânsito, quase imperceptível.
João Paulo pousou de herói para essa parcela da população mais rica e de carrasco para milhares de trabalhadores e usuários pobres. Defendeu a Lei, o status quo, contra a baderna e ilegalidade das kombis.
As promessas de melhorar o sistema foram logo esquecidas. Sumiram os "geladinhos" e a população voltou a ser transportada como gado.
Quanto ao preço da passagem é bom fazer uma comparação com outro produto similar, a gasolina. Em 2001 a tarifa do Recife era R$ 1,00. Naquele tempo o preço de um litro de gasolina era R$ 1,69, ou seja, era possível comprar 590ml com uma passagem de ônibus.  Após 12 anos o preço da gasolina está em R$ 2,85, é possível comprar 790ml.
Tire sua conclusões.

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