AS PESQUISAS E O RABO DO GATO
Confesso, tenho uma grande simpatia por Arraes, em especial
por um tipo de inteligência que ele possuía, uma espécie de ceticismo dialético
espontâneo. Não era fácil enganar Arraes, ele não era seduzido por marqueteiros
(místicos ou pseudocientíficos), pesquisas ou por narrativas fáceis. Arraes
tinha seus próprios critérios de julgamento.
Recentemente vi muita gente se contorcendo para explicar por
que Lula continua favorito nas pesquisas e o significado disso. Caso Arraes
estivesse vivo para comentar daria uma boa gargalhada e diria que essa pesquisa
não significa nada que tenha relevância para a eleição. Ele estaria certo,
certíssimo.
Vou usar um pouco de dialética hegeliana para tentar
explicar o que Arraes diria em uma gargalhada.
A opinião pública, ou seja, a opinião capturada por uma
pesquisa com métodos estatístico, é qualitativamente diferente da opinião de
uma única pessoa. Quando se torna multidão ocorre uma transformação qualitativa
e mudam as leis e os princípios que regem os fenômenos. A dinâmica do
comportamento mental individual é diferente do da multidão. A inteligência como
conhecemos, reflexiva, que se desenvolve num processo dialético de interação
com outras opiniões, é inócua para a multidão. Tentar explicar o comportamento
da multidão com os mesmos princípios da inteligência humana é como tentar
compreender um formigueiro estudando uma única formiga.
Assim, nenhum comportamento individual ou julgamento moral é
válido para ser usado na multidão. Não existe um “cinismo prático” tipo “rouba
mas faz” e nem um “reconhecimento pelas conquistas”. Não é isso, esses são
valores de uma outra escala de análise, a psicológica e moral.
As pesquisas de opinião mostram algo peculiar, entretanto,
precisam ser vendidas pois são produtos, e para serem vendidas precisam ser
úteis, mesmo que a utilidade seja apenas a de iludir com uma áurea científica.
Então, o que é medido pelas pesquisas? Que fenômeno elas
explicam?
Como gosto de felinos vou usar um para explicar. Imagine que
o gato seja o humor da multidão, a essência do humor, e o movimento do seu rabo
seja o fenômeno capturado pelas pesquisas. Bem, o rabo pertence ao gato, é
gato, entretanto existe gatos sem rabo, mas não rabos sem gatos. O rabo
pertence ao gato, mas não comanda o animal que pode até não o ter ou não
usá-lo. Pelo rabo é possível conhecer algo do gato, mas não tudo, na verdade
muito pouco. Um cientista observando apenas o rabo poderia chegar a inúmeras
conclusões equivocadas. O gato agita o rabo de determinada forma quando está
caçando. O cientista conclui: “o gato está pegando um rato”, mas gatos as vezes
agitam o rabo quando dormem, quando de fato ele estão apenas sonhando com uma
caçada.
O fato de conhecer o fenômeno não implica em conhecer a sua
essência, mas apenas uma manifestação dela.
Nas pesquisas de opinião converte-se o fenômeno em essência
para ser melhor compreendido e vendido. A multidão cria um rosto, transforma-se
em pessoa, faz julgamentos morais e éticos, tem personalidade pois assim o
produto torna-se útil.
O todo torna-se a mínima parte, o rabo torna-se gato, inteiro.
O todo torna-se a mínima parte, o rabo torna-se gato, inteiro.
O debate continua.
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